As histórias que as marcas contam



O título é uma pegadinha. O post antecessor está aí para demonstrar que não são as marcas que contam histórias. Mas a pergunta da Raquel foi tão boa que mereceu esse novo post como resposta. O termo 'marca' tem uma história: vem da marcação dos bois. O ícone tatuado à ferro quente diz que aquele não é um boi qualquer, é um boi da Fazenda Tal. Nasceu o conceito de marca. Todo o mundo achou legal #foraosbois.

Assim que uma marca é apresentada ao mundo, começam as histórias. Primeiro pelas especulações sobre as peculiaridades do produto. 'Como é que esse produto dessa marca pode mudar a minha vida?' Afinal a quebra de rotina é de onde parte toda narrativa. Não é por acaso que a palavra mais empregada na propaganda seja 'novo'.

Depois a marca vai para o mercado e começam as experiências dos consumidores, que acabam por gerar pequenos contos. "Eu vagava na madrugada profunda quando resolvi admitir o que mais temia: eu estava perdido nos becos da cidade do Porto. Começou a Sessão Imaginação do meu corpo sendo encontrado semi devorado pelas gaivotas do cais. Não estaria aqui contando essa história se não tivesse lembrado que meu Nokia E71 tinha um dispositivo GPS embutido..."

As pessoas contam seus contos. Os contos mais poderosos são recontados "tenho um amigo que estava perdido no Porto e foi ameaçado por piratas, até que...". Os contos recontados são somados aos que os comunicadores publicam. Toda essa somatória forma o repertório da marca.

O gene está para o meme, assim como o DNA está para o repertório. A incidência de um gênero narrativo no repertório define uma espécie de vocação autoral da marca. A Skol, por exemplo, seria um humorista.



Uma vocação interessante gera expectativa, que instiga desejo, que leva à compra. Viu como storytelling marketing é simples? A marca só precisa se ocupar com duas coisas. A primeira é óbvia: bons produtos vão gerar boas experiências.

A segunda é contratar comunicadores hábeis em publicar histórias fabulosas, capazes de potencializar o repertório. O comunicador hábil entende que histórias são o encadeamento de acontecimentos relevantes. Tanto que o glossário de autores é cheio de termos da tecelagem: a trama é uma espécie de entrelace, enredo é costurar uma rede, o próprio texto vem de tecer. Quando um ponto leva ao outro você tem estrutura narrativa.

O comunicador, por sua vez, tem que se ocupar de duas coisas: encontrar ou imaginar acontecimentos relevantes e dominar essa arte do entrelace. O comunicador tem que se usar de cobaia da marca, uma espécie de überconsumer, que consome de tudo - sem preconceito - e sempre como uma experiência. Busca viver os rituais. Mergulha nas sensações. Entrevista outros consumidores. Só assim vai ter algo interessante a retransmitir.

Sobre dominar a arte da narrativa, é mais complicado. Há de ser um autor. Digo da minha própria experiência. Acreditava saber contar uma história por ser neto de cineasta, assessor de imprensa e redator publicitário. Mas só ao escrever contos, curtas, peças de teatro e jogos de videogame que passei a entender o que funciona. A regra de ouro nessa caso é: antes de querer contar uma história para uma marca, queira contar uma história por você mesmo.

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  1. obrigada, fernando! mais uma vez, esclarecedor.
    e me permita dar uma outra cutucada, dessa vez sobre o poder do autor sobre a história. sei de muitas delas que mudam por motivos fora da sinopse/enredo original... sei de outras que acontecem quase que intuitivamente. e aí temos 2 pontos:
    - o autor precisa ser hábil o suficiente para mudar a sua história, inserindo elementos, fatos, trazendo profundidade pra um ponto e tirando de outro à medida que o público, os personagens, os acontecimentos da história mudam;
    - e por intuição eu quase entendo a "não-intenção". um processo tão poderoso como o storytelling acontece muitas vezes à revelia de quem conta a história (justamente por que as histórias são tão poderosas).
    agora, corta pra realidade. se for a realidade do autor-artista, que escreve e consegue estabelecer um tempo pra que a obra esteja pronta, ele vai precisar lidar com a resposta (ou até a indiferença) do público e preparar uma hipotética continuação... difícil, mas factível. imagina agora a realidade do autor-gestor de marca que precisa coordenar as ações e a jornada da marca para que elas contem uma história. história essa que sofre interferência do público/consumidor, dos clientes, dos concorrentes, do mercado.
    e a minha pergunta: é possível ter controle sobre isso? o que você acha?

    beijos

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