O Poço do Lobato

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No começo de setembro, a respeito da polêmica da camada pré-sal e a possibilidade do Brasil ampliar a produção de petróleo de forma extraordinária, a Ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, evocou o livro "O Poço do Visconde" (leia a notícia), obra de Monteiro Lobato que faz parte da coleção do Sítio do Picapau Amarelo.

A Úrsula também já havia evocado Monteiro Lobato e seu espírito Storyteller nesse post. Ainda hoje a obra de Monteiro Lobato vende e vende bem: no Brasil só perde para a bíblia. Não é à toa que as empresas se interessem pela obra. Dona Benta, a eterna personagem, inspirou aquele que veio a se tornar o best-seller dos livros de receitas, por exemplo. Uma empresa está licenciando os personagens para lançar uma linha de produtos baseada no Sítio do Picapau Amarelo e fomos chamados para coordenar uma série de coisas desse lançamento. Além de tudo aquilo que já sabíamos e já havíamos lido, são mais horas e horas de pesquisa. E quanto mais a gente se aprofunda, mais a gente admira o autor e sua obra.

Aproveitando toda a discussão sobre o petróleo, é impossível deixar de lado mais um aspecto curioso da vida de Lobato. Além de escritor de literatura infantil ele também se aventurou por outras áreas ao longo da vida. Foi promotor de justiça, tradutor, colunista, fazendeiro, pintor empresário e, em certo momento de sua vida, funcionário da embaixada brasileira em Nova York, a convite de Washington Luiz, presidente na época.

Maravilhado com o dinamismo da sociedade americana, o conceito de produção em série e mídias de massa, Lobato abastecia o governo brasileiro com idéias para modernizar o país. Numa dessas se convenceu de que o Brasil só seria plenamente soberano quando fosse capaz de produzir petróleo, e a partir daí lançou-se em uma saga à procura do ouro negro.

De volta ao Brasil ele funda uma companhia para procurar petróleo em nosso território, e até teve relativo sucesso. Depois de iniciar a perfuração de alguns poços, encontra um pequeno veio em 1933. Mas, tendo atingido interesses mais poderosos, como o das grandes petrolíferas multinacionais, entra em conflito com o governo acaba sendo preso. "Tenho medo dos que lutam com essa arma chamada talão de cheques. Nossa gente vende-se barato demais", disse Monteiro Lobato nessa época.

Embora haja controvérsias em relação à legitimidade de sua busca por petróleo, é fato que Monteiro Lobato era um homem que pensava grande, e essa grandeza estava quase sempre mais relacionada ao desenvolvimento do Brasil do que de seu próprio bolso. Era um patriota.

A motivação para sua obra infantil não foi simplesmente externar uma inspiração qualquer, deixar um legado para seus filhos ou qualquer motivo assim. Cansado de propor reflexões e soluções para o homem adulto, que parecia ser difícil de mudar, o Sítio do Picapau Amarelo era um ambicioso projeto de incutir sua visão de mundo, do que seria um país mais justo e desenvolvido, na cabeça das crianças. Se não era possível mudar sua própria geração, quem sabe a próxima.

E foi com esse espírito que Monteiro Lobato escreveu "O Poço do Visconde", história onde Visconde de Sabugosa, o sábio sabugo de milho falante, constrói um poço de petróleo ali mesmo, nas terras da Dona Benta. A história, dotada do peculiar realismo fantástico de Lobato, era uma forma de falar para as crianças sobre a importância do petróleo para o desenvolvimento do país.

Se Lobato estivesse vivo, provavelmente ficaria feliz de ser citado por uma ministra. Não que o governo de hoje seja muito diferente do de sua época, mas é bem possível que Dilma Rousseff tenha lido sua obra quando criança e, para falar da nova descoberta, fez a conexão. Assim como o autor deve ter influenciado a ministra nessa questão, ele certamente introduziu muitos outros assuntos, e fez muita criança conhecer e pensar sobre outras questões importantes.

Tudo isso, é bom ressaltar, trocando aulas chatas e sonolentas por livros, personagens e um universo ficcional que encantou e ainda encanta crianças e adultos. Monteiro Lobato foi um visionário.

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